Otávio Cunha participou de seminário com o Setut nesta manhã. Empresas de ônibus de Teresina afirmam que prefeitura acumula dívidas de mais de R$ 51 milhões com o setor
ALEXANDRE PELEGI
Uma crise local que espelha o que ocorre praticamente em todo o país.
Foi assim que o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, reagiu à apresentação da consultora técnica do Setut, Myrian Aguiar.
Ambos participaram de uma entrevista coletiva realizada na manhã desta segunda-feira, 07 de junho de 2021, promovida pelo Sindicato das Empresas de ônibus de Teresina, em que o tema foi justamente a atual crise do transporte público no país.
Myrian descreveu a situação insustentável do sistema de transporte da capital do Piauí, que até hoje, segundo dados do Setut, acumula um rombo de R$ 51 milhões.
Este valor, segundo ela, refere-se aos repasses que a prefeitura deixou de fazer até hoje referentes ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
“Precisamos deixar dessa conversa que a prefeitura está dando dinheiro aos empresários. Não se trata disso. Assinamos um contrato, com regras e deveres de ambos os lados, e lá está claro que é preciso manter o equilíbrio do sistema caso a tarifa paga pelo usuário não sustente os custos do setor. Subsídio tarifário é isso, uma obrigação contratual”, diz Myriam.
O edital de concessão, publicado em 2014, previa uma série de deveres e responsabilidades de parte a parte, órgão gestor e prefeituras. Myryam alega, no entanto, que logo no primeiro ano, em 2015, já houve alterações nas cláusulas que impactaram substancialmente os custos das empresas.
No gráfico que ela apresentou são apontadas as diferenças não só nas tipologias dos veículos descritas no edital (a prefeitura exigiu outros tipos de ônibus, inclusive com ar-condicionado, diferentemente do previsto), como na quantidade desses veículos:
Ao mesmo tempo, se as obrigações aumentaram logo após a assinatura do contrato, o mesmo não aconteceu com a expectativa de demanda: o número de passageiros veio numa curva decrescente, o que só fez piorar uma situação que já começara desequilibrada.
A pandemia, ela alega, veio tornar aguda uma situação que já era crônica.
Para agravar o quadro, os repasses que a prefeitura deveria fazer para o equilíbrio do sistema foram se acumulando. Por vias judiciais o Setut conseguiu forçar alguns acordos.
Os três primeiros processos, que datam dos períodos janeiro de 2015 a outubro de 2016; janeiro 2015 a outubro 2019; e outubro de 2019 a fevereiro de 2020, somaram cerca de R$ 57 milhões e foram quitados pela prefeitura em parcelas mensais.
Mas o último processo, relativo ao período mais grave, justamente o do início da pandemia da Covid-19, período março a outubro de 2020, este continua em aberto. Após acordo com a prefeitura fechado em novembro de 2020, o total da dívida desse período, que somou R$ 26,2 milhões, foi negociado com o poder executivo para ser quitado em 12 parcelas mensais. No entanto, após de pagar duas dessas parcelas, não houve mais nenhum recolhimento por parte da prefeitura.
Desta forma, restam ainda R$ 21 milhões em aberto deste acordo.
O problema é que de novembro de 2020 a abril deste ano, na segunda onda da pandemia, as empresas acumularam nova dívida segundo as regras do contrato de concessão, desta vez de R$ 31,5 milhões.
Com isso, o Setut alega que o total devido pela prefeitura atinge hoje a casa dos R$ 51 milhões, o que torna impraticável para as empresas seguir operando e cumprindo com obrigações como a folha de pagamentos de seus funcionários (que representa 45% do valor final da tarifa), o valor do diesel, a elevada carga tributária, principalmente do óleo diesel, as gratuidades, etc.
UM NOVO MARCO REGULATÓRIO
Otávio Cunha, que resumiu a crise em várias cidades pelo país, repetiu o que tem dito em várias ocasiões: o sistema de transporte não sobrevive apenas com o dinheiro da tarifa.
No entanto, ele observa, a situação de crise atual exige um aporte emergencial, coisa que somente o Governo Federal pode fazer. Infelizmente, ele diz, não há qualquer sinalização da União a esse respeito.
De outro lado, diante da falência do sistema, é fundamental mudar a forma como ele funciona.
“Não podemos mais ficar reféns do valor da tarifa, isso não tem cabimento”, diz.
Para resolver essa situação do ponto definitivo, Otávio aposta em criar um novo Marco Regulatório para o setor de transporte coletivo, de ônibus e trilhos.
Uma proposta foi costurada pelas duas associações das empresas – a NTU e a ANPTrilhos, e apresentada formalmente ao Congresso Nacional.
Otávio acredita que em agosto próximo, tendo como autor o senador Antonio Anastasia (MG-PSD), o projeto começará a tramitar no Congresso, já com apoio de muitos parlamentares.
Para Otávio, o projeto está assentado em três pilares, que permitirão ao setor alcançar vários objetivos, como a Segurança Jurídica, a Racionalização e a Inovação das Redes de Transporte.
Os três pilares são Qualidade e Produtividade, Financiamento e Regulação e Contratos. “São três pilares que se interconectam e precisam ser construídos em conjunto para atingir os resultados esperados”, diz o presidente da NTU.
Mas ele destaca a necessária participação do Governo Federal: “Esse programa nacional exige o envolvimento dos três níveis de governo, mas é fundamental que o Governo Federal seja o coordenador desse processo e assuma o papel de guardião da política nacional de mobilidade urbana que se encontra totalmente abandonada e enfraquecida”, pondera Otávio.
Assinam o documento:
Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU
Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos – AnpTrilhos
Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP
Frente Nacional de Prefeitos – FNP
Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana – FNMU
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes