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Por que a nova economia envelheceu mal e tão rápido

Análise

Guilherme Ravache para o Valor

 

O Airbnb, segundo seu CEO, está “fundamentalmente quebrado”. Em março aconteceram protestos generalizados de anfitriões insatisfeitos com os valores pagos pela plataforma. Por outro lado, moradores em diversas cidades estão revoltados com o aumento dos preços dos aluguéis e acusam o Airbnb de causar o problema.

Pressionados, governos estão criando regras para regular os aluguéis de curta duração. Nova York neste ano impôs uma nova legislação que praticamente expulsou o Airbnb da cidade. Para piorar, o concorrente Vrbo (que pertence à Expedia, que existe desde 1995) superou o Airbnb em um recurso que os clientes há muito solicitavam: um programa de fidelidade.

“Nosso sistema”, diz Brian Chesky, CEO e fundador cio Airbnb, referindo-se à plataforma, “foi projetado para uma empresa muito menor que cresceu como um louco. Para usar uma metáfora precisa, é como se nunca tivéssemos construído totalmente a base. Tipo, tínhamos uma casa e ela tinha quatro pilares quanclo precisávamos de dez”.

O Airbnb não é um caso isolado. É cada vez mais evidente que boa parte dos unicórnios cia “nova economia” foram construídos em bases frágeis, sustentados por juros baixos, farto dinheiro de investidores, falta de legislação específica e mão de obra sub-empregada.

Grosso modo, foi uma vitória do pensamento mágico cio Vale cio Silício, que enriqueceu muitos que tiveram mais sorte e cara de pau para entrar no jogo de crescer a qualquer custo de que propriamente um modelo de negócios sustentável a longo prazo.

As gigantes do Vale do Silício e sua filosofia que influenciou tantas empresas pelo mundo ofereciam uma promessa tentadora, na qual o acesso a um serviço ficava magicamente mais barato, a qualidade melhorava consideravelmente e quem prestava o serviço ganhava mais do que os concorrentes tradicionais.

A fórmula era só oferecer flexibilidade na jornada de trabalho (nada de contratos fixos ou direitos trabalhistas), misturar com uma aura de tecnologia, uma pitada de fundadores excêntricos, rechear com análise de dados, usar a palavra plataforma com revolução do setor de algo e pronto, nascia um unicórnio. Obviamente, vai muito além disso, mas não é difícil compreender a ideia central.

Porém, a nova economia em pouco tempo mostrou suas limitações. Está cada vez mais claro que ela pode criar problemas ainda maiores do que aqueles que se propunha a solucionar.

A WeWork, que prometia revolucionar o trabalho, luta para não pedir falência. O FTX (ícone da revolução cripto) foi ainda pior. A corretora não apenas quebrou como levou o dinheiro de milhares de clientes e deixou um rombo de bilhões de dólares. A Theranos, que prometia reinventar a indústria de diagnósticos, não era nada mais que uma grande fraude que lesou milhares de pacientes. Sua fundadora, Elizabeth Holmes, foi condenada a 11 anos de prisão.

Não parecem ser casos isolados da “nova economia”, na qual parece predominar uma filosofia leniente. Quem assistiu à ótima série “Super Pumped: a batalha pelo Uber!”, sobre a criação da empresa, e que acaba de chegar à Netflix, nota que seguir as regras definitivamente não é uma regra no Vale do Silício.

O controverso Travis Kalanick, fundador do Uber, foi forçado a deixar a empresa em 2017 após crescentes denúncias em torno de seu comportamento antiético, mas seu legado segue conosco. Afinal, quando se trata de uma potencial gigante de tecnologia, burlar as regras pode torná-lo um bilionário como no caso de Kalanick, que agora investe em “dark kitchen” (cozinhas fantasmas), aquelas que não têm marca visível em seu ponto físico e basicamente produzem apenas para os apps de entregas.

Já Adam Neumann, fundador da WeWork, também segue bilionário mesmo com sua empresa caminhando para o vinagre. Aliás, ele lançou uma startup de imóveis chamada Flow e já recebeu mais de US$ 350 milhões em investimentos para construir o que promete ser o “futuro da vida”.

O Uber seria a revolução do transporte, mas atrasou o investimento em transporte público pelo mundo e precarizoti alternativas como o ônibus e o metrô, mais eficientes e menos poluentes. As crescentes discussões em tomo da baixa remuneração cios motoristas também expõe a incapacidade da empresa em conciliar lucro e condições salariais mínimas. O Uber reportou lucro pela primeira vez em sua história em agosto deste ano, alcançando US$ 394 milhões durante o segundo trimestre, em comparação a um prejuízo de US$ 2,6 bilhões um ano antes. De 2016 até o primeiro trimestre deste ano, o Uber registrou cerca de US$ 30 bilhões em perdas operacionais, de acordo com a S&P Global Mar-ket Intelligence. O corte de custos e a melhora dos resultados têm animado investidores. As ações do Uber já subiram mais de 85% neste ano.

Quem assume riscos deve ser bem recompensado, é um fato. Mas até que ponto uma elite que propaga as falácias cio Vale do Silício, que no Brasil é representado pelos “Faria Limers”, realmente assume riscos?

Quando o banco Silicon Valley quebrou no ano passado, os bilionários do mundo da tecnologia, justamente aqueles que pedem menos regulação e um governo “menor”, foram os primeiros a correr para as redes sociais clamando por um resgate do Banco Central americano. E funcionou. O banco da elite do Vale do Silício não quebrou, e os bilionários seguiram tranquilos, com o governo garantindo os depósitos.

E qual seria o caminho para os unicórnios da nova economia se tornarem de fato lucrativos como seus irmãos mais velhos, Google, Amazon e Apple? Provavelmente, seguir os passos dessas empresas. Porém, os crescentes problemas cias “big techs” com órgãos reguladores no mundo todo mostram que a “mágica” do crescimento pode estar mais ligada a práticas anti-competitivas do que necessariamente à capacidade de inovação.

Processos antitruste em curso nos Estados Unidos contra o Google e a Amazon evidenciam como o domínio absoluto de empresas de tecnologia gera lucros assombrosos. Mas segundo o Departamento de Justiça americano, também sugam o oxigênio de todo o ecossistema em que elas atuam, matando empresas tradicionais e impedindo que novos competidores entrem em um mercado e possam concorrer com as “big techs”.

Por que a nova economia envelheceu tão rápido? Porque não existe mágica: em um mercado competitivo, lucros acima da média são raríssimos, e quanto mais as empresas crescem, menos eficientes se tornam.

Uber, Airbnb e as empresas da nova economia enfrentam crescente resistência de governos e aumento da regulação porque podem estar tirando valor da sociedade, transferindo o dinheiro de muitos para um punhado de executivos e investidores.

É um erro imaginar que regular e supervisionar empresas de tecnologia seria um retrocesso ou mesmo um comportamento anti-capitalista.

Perguntado sobre o aumento da regulação, o recente caso de Nova York e a viabilidade do modelo de negócio do Airbnb, Theo Yedinsky, diretor global de políticas públicas do Airbnb, diz que “já há muito tempo, nosso objetivo é trabalhar com a cidade de Nova York para criar regulamentações sensatas de compartilhamento de casas para nossa comunidade de anfitriões e, durante a maior parte da última década, trabalhamos duro para encontrar um caminho a seguir”. A empresa diz ainda que “as novas regras de aluguel de temporada da cidade de Nova York são um golpe para a sua economia turística”.

Procurado, o Uber não se pronunciou – outra ironia que quem assistir à série Super Pum-ped entenderá.

Em um mercado competitivo, lucros acima da média são raríssimos, e quanto mais as empresas crescem, menos eficientes se tornam

 

Fonte Valor