Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Artigo do presidente da Fetram, Rubens Lessa é destaque nos jornais Diário do Comércio e Jornal da Cidade BH

Confira texto na íntegra.

 

Transporte regular de passageiros tem regra própria e empresas precisam de concessão pública para atuar

 

*Rubens Lessa

“Ônibus não é taxi, e Buser não é Uber”, a frase é do presidente do Setpesp, Gentil Zanovello. Ela ilustra bem como, sem perceber o equívoco, muitos veículos de comunicação e formadores de opinião, tem aderido ao marketing de guerrilha que algumas plataformas digitais de vendas de passagens estão se apresentando como o “Uber dos ônibus”, em especial a empresa Buser. Do ponto de vista jurídico, é um argumento totalmente equivocado e que tem sido usado propositalmente para transferir ao aplicativo a aceitação que o Uber teve pela sociedade.

 

Para entender a desonestidade dessa afirmação, basta analisar a natureza de cada um dos serviços. Serviços como o Uber e de fretamento, são atividades livres à iniciativa privada. O fretamento requer apenas autorização e regulação estatal. Já o transporte coletivo de passageiros é um serviço público essencial à sociedade e um direito social. (Constituição Federal, art. 6º).

 

As obrigações dos sistemas de transporte público implicam no atendimento aos princípios da regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia e modicidade das tarifas. A ilegalidade está na prestação de serviço sem outorga estatal, ou desrespeitando seus limites. As empresas de fretamento, por sua vez, precisam de autorização da ANTT (Agência Nacional de Transporte) para operar e não podem oferecer serviços nos moldes do sistema público e regular, como a venda de passagem direta ao público. Isso é expressamente proibido.

 

Os próprios aplicativos reconhecem e invocam expressamente em seus sites que sua atividade seria de fretamento: a reserva e a venda de passagens são feitas diretamente por eles, porém o transporte em si é realizado por terceiros, titulares de autorizações para fretamento. No entanto, vendem passagens individualmente, precificam, determinam horário e trajetos. Isso caracteriza o sistema público, o que é ilegal.

 

Muitos tribunais no Brasil têm reconhecido que a Buser opera em desacordo com a legislação brasileira, pois jamais poderia fazer venda individual de passagem. O aplicativo poderia, sim, operar em sistema de fretamento de circuito fechado –mesmo grupo de pessoas na ida e na volta da viagem. No dia 8 de janeiro, o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) proibiu 3 empresas que atuam no Estado de operarem pelo aplicativo da Buser. Na última segunda-feira, dia 22 de fevereiro, a Justiça Federal no Rio de Janeiro, divulgou sentença proibindo a atuação da Buser em transporte regular de passageiros no Estado, sob pena de multa diária de R$10 mil reais.

 

A decisão é importante porque vem depois de 12 outras também favoráveis ao sistema de transporte público regular e contrárias aos serviços ilegais. Vão desde indenização por danos morais, difamação e, principalmente, por atuação em desacordo com a autorização da ANTT. As empresas de fretamento também estão proibidas de operar pelo aplicativo Buser nos Estados da Bahia, do Paraná, de Santa Catarina e, agora, do Rio de Janeiro.

 

Como destacou Zanovello, na semana passada, esse quadro demonstra que, cada vez mais, há o entendimento dos tribunais de que os aplicativos devem cumprir a lei, porque fica evidente que beneficiam uma pequena parcela de passageiros do sistema rodoviário por atenderem poucas linhas.

 

Também pesa o fato de não arcarem com todas as obrigações legais exigidas do sistema de transporte regular, como o recolhimento de ICMS e pagamento de taxa de fiscalização e de embarque. Além de não oferecerem as gratuidades para idosos, portadores de necessidades especiais e carentes, não realizam embarques e desembarques em terminais rodoviários e, principalmente, não garantem apoio técnico e operacional durante as viagens.

 

O fato é que o sistema de transporte público regular corre o risco de total desequilíbrio por conta dessa concorrência desleal, agravada pelo fato que ele foi planejado para atender tanto as ligações mais rentáveis como as deficitárias. A rede de transporte público é desenhada pelo Poder Público levando isso em conta.

 

Enquanto isso, os aplicativos oferecem o mesmo serviço apenas nas linhas lucrativas, mais rentáveis. Mesmo assim, não garantem a efetivação da viagem, que só acontece com um número mínimo de passageiros. Caso se perpetue o desequilíbrio econômico no setor, milhões de usuários serão prejudicados.

 

No Estado de Minas Gerais as empresas concessionárias investiram ao longo do período de R$2,1 bilhões em frota e de R$156 milhões em infraestrutura. O setor emprega cerca de 20.000 mil trabalhadores, operando com 170 empresas concessionárias sediadas em 113 municípios. Uma frota de 4.287 ônibus distribuidos em 1.250 linhas, que atendem regularmente mais de 800 municípios. Portanto, a população está totalmente assistida em suas necessidades com o sistema regular, inclusive milhões de idosos, pessoas com deficiência e policiais transportados de forma gratuita anualmente.

 

A dificuldade maior que o sistema vem enfrentando, são os prejuízos. A receita do sistema em 2020 em relação a 2019, teve uma queda de 66,6%, devido a pandemia pelo coronavírus. Atualmente, a composição do custo quilométrico de transporte rodoviário em Minas Gerais é de 33,2% a 36% com pessoal; 14,6% diesel; 8,5% peças; 10,5% despesas administrativas; 0,8% de taxas diversas e 17% de custos de capital. A conta não fecha.

 

A entrada de mais empresas no sistema, sem um estudo prévio e detalhado de seus impactos, irá desencadear uma ruptura, uma desestruturação total do sistema que vai custar muitos empregos e insolvência de grande parte das empresas, que pagaram pela concessão dos serviços.

 

Mais uma vez, é importante frisar que, ao contrário dos aplicativos, as empresas de ônibus do sistema regular têm uma série de obrigações e responsabilidades –e cumprem todas. É esse modelo que permite oferecer veículos limpos e em boas condições, motoristas descansados e treinados para garantir o bem-estar e a segurança dos passageiros, mesmo em tempos de pandemia. O mesmo não pode ser dito das operações ilegais, que foram palco de vários acidentes graves nos últimos tempos pelo Brasil.

 

Os clandestinos e irregulares não são sinônimos de praticidade, tecnologia ou preço barato. São, sim, concorrência desleal que coloca em risco a segurança dos passageiros e o equilíbrio do sistema de transporte público. Apenas Minas Gerais foi na contramão de outros estados brasileiros, publicando um decreto alterando as regras para o transporte fretado, em total desacordo com a legislação e sem consultar os interessados. O decreto representa uma quebra de contrato com as concessionárias do transporte público, que além da obrigatoriedade da prévia concessão para operar, atendem diversas obrigações que o transporte fretado não precisa cumprir.

 

*Rubens Lessa, diretor da Confederação Nacional de Transportes (CNT), presidente do Conselho Regional do Sest Senat em Minas Gerais e da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros de Minas Gerais- FETRAM

 

Links das publicações:

https://diariodocomercio.com.br/opiniao/transporte-regular-de-passageiros-tem-regra-propria/

https://cidadeconecta.com/transporte-coletivo-de-passageiros-tem-regra-propria-e-antt-precisa-autorizar-empresas/